sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ponderações sobre as discussões acerca do "Exame da OAB"

Caros, que pensam acerca da constitucionalidade do "Exame da Ordem"?

A discussão foi parar no Supremo Tribunal Federal.

Alguns defendem que o exame de ordem seria "inconstitucional". Eu, particularmente, discordo totalmente desse posicionamento. Houve, inclusive, manifestações brilhantes dos amici curiae, que pugnaram pela manutenção do exame em teses brilhantemente desenvolvidas.

Há linhas argumentativas possíveis no que se refere à tese da "inconstitucionalidade", da qual já disse discordar. Embora possíveis tecnicamente, são frágeis se expostas a argumentos mais bem elaborados. As teses "pela manutenção do Exame da OAB" têm sido as mais aceitas pelos juristas, sendo sua argumentação mais adequada às peculiaridades da realidade concreta brasileira no que se refere ao exercício da advocacia in concreto, bem como à sua caracterização constitucional de "função essencial à justiça".

Vou tentar falar um pouco sobre a questão, destacando alguns dos pontos discutidos, quando da tramitaçao pelo STF. Vou tentar pegar o "núcleo" da controvérsia e expô-lo. Esse blogueiro que vos escreve é adepto do entendimento (majoritário) de que o exame da ordem é perfeitamente constitucional. Contudo, comecemos do início. 

Assevera a Constituição da República:

art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

"XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer"



Em que pese esteja tecnicamente bem fundamentada a linha argumentativa insculpida no parecer do subprocurador geral da República, que reputa status de inconstitucionalidade ao Exame, deve-se considerar fatores outros. Eu, particularmente, discordo totalmente da posição adotada, embora vislumbre bom desenvolvimento técnico-argumentativo no parecer do MPF, abaixo exarado.


[ CONFIRA O PARECER AQUI : http://s.conjur.com.br/dl/
parecer-mpf-supremo-exame-ordem.doc ]

O parecer é, sim, viável tecnicamente, mas fica fragilizado se confrontado às teses desenvolvidas pelos amici curiae ( pela manutenção do Exame de Ordem), posicionamento prevalente entre os operadores do direito.

Alguns pontos de maior relevância devem ser destacados, na opinião desse humilíssimo blogueiro:

1) O dispositivo que versa sobre livre exercício de ofício ou profissão constitui norma constitucional de eficácia contida, tendo-lhe atribuído o legislador constituinte normatividade suficiente, podendo, contudo, legislação infraconstitucional restringir-lhe o âmbito de incidência.

2) Cinge-se a controvérsia a apurar, e é o cerne do que se discute: o exame QUALIFICA ou ATESTA QUALIFICAÇÃO? Se verificável a segunda hipótese, observar-se-ia, de acordo com os adeptos da "inconstitucionalidade do Exame", afronta à imutabilidade das cláusulas pétreas, posto tratar-se de direitos individuais sendo tolhidos;

3) Pugna o eminente subprocurador (MPF) pela declaração da inconstitucionalidade do exame da Ordem. Para tal, pauta sua argumentação na chamada hermenêutica constitucional restritiva das limitações aos direitos fundamentais, vez que o Exame estaria, segundo entende, a LIMITAR/OBSTAR o direito ao livre exercício de ofício ou profissão, na medida em que, consoante seu entendimento, o Exame da Ordem NÃO QUALIFICA, tão apenas ATESTA qualificação. E a Constituição permite a restrição, por lei, da liberdade de ofício quando tal restrição se justificar pela "qualificação". Segundo a tese desenvolvida pelo MPF, o Exame de Ordem não qualifica, mas apenas atesta qualificação. Desse modo, entende ser inconstitucional o Exame, pois crê que a graduação, por si só (faticamente, no mundo dos fatos: tem uma faculdade de Direito em cada esquina), já capacitaria alguém a representar, em juízo, interesses patrimoniais e extrapatrimoniais.


Ora, reconheço a validade dos argumentos do membro do Parquet. São válidos tecnicamente, embora os ache frágeis diante de teses melhores.

De todo modo, algumas ponderações devem ser feitas: seria viável a vedação do Exame ante as peculiaridades fáticas da realidade brasileira? A Constituição, na seara dos direitos fundamentais, se presta a tutelar bens caros ao indivíduo e à própria coletividade concebida sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito. A advocacia, dotada de capital importância no processo de prestação jurisdicional, é constitucionalmente caracterizada como "função essencial à Justiça". Não  careceria, portanto, de tratamento desigual, em homenagem ao princípio da isonomia material? (atribuição de tratamento desigual aos desiguais, na medida em que se desigualem)

Por que tratamento desigual à advocacia? Pura vaidade? Vamos analisar isso. Para tal, creio que destacar alguns pontos se faça necessário: Lembrando: esse humilde blogueiro não está a simplesmente tirar informações do suvaco. Tomei conhecimento das teses de ambos os posicionamentos.

Então, voltando: por que tratamento distinto à advocacia, no que se refere ao livre exercício da profissão?

Advogado é aquele que detém o chamado "ius postulandi". Sem prejuízo de outras possíveis funções, advogado é aquele apto a representar interesses patrimoniais e extrapatrimoniais perante o Judiciário. Tais interesses podem ser representados num conflito de interesses, cuja decisão final impactará substancialmente sobre a esfera patrimonial ou extrapatrimonial daquele representado pelo advogado. Importante frisar: o Judiciário é o órgão de poder (pois o poder é uno, por definição) que aprecia conflitos de interesse em caráter de definitividade através da "coisa julgada". 


Desse modo, o exercício da advocacia deve receber tratamento desigual, inclusive por receber status constitucional de "função essencial à Justiça", o que é muito gravoso em qualquer panorama institucional que persiga o ideal do Estado Democrático de Direito.

Princípios constitucionais não são absolutos. E podem vir a colidir diante de um caso concreto. Quando isso ocorre (colisão de princípios constitucionais em caso concreto), a técnica constitucional adotada pelo Excelso Pretório é denominada "juízo de ponderação", cujo fim é fixar o princípio prevalente diante das particularidades do caso concreto.

Consideremos, portanto, a concretude fática brasileira (mundo dos fatos), no que se refere ao exercício da advocacia, que é o que se discute, em última instância. Qual é essa concretude fática? Faculdades em excesso; ensino precário (objetivamente mal avaliado pelo MEC, por ex.); analfabetismo funcional, etc.

Vocês acham que cursar uma faculdade deixa alguém apto a advogar, ou seja, a representar interesses perante o Judiciário, que decide definitivamente através da coisa julgada? A faculdade da postulação (ius postulandi) é gravosa.

Assim, pergunta-se, diante da realidade fática brasileira: uma Corte Constitucional pode ignorar o prejuízo fático-concreto que seria causado aos jurisdicionados se o exercício da advocacia fosse autorizado com a simples formatura na ""facu""? Lamentavelmente, o ensino jurídico é caótico no Brasil. Assim, considerando-se a gravidade das decorrências do exercício da Advocacia (função essencial à Justiça), mister seja resguardada a própria estabilidade institucional do Estado, em detrimento de "teses abstratas sobre direitos indivíduais" (MPF).

Portanto, não deve prevalecer a linha adotada pelo MPF. Embora viável tecnicamente, embora bela 'in abstrato', está longe de se adequar à realidade fática in terra brasilis.

O STF é "guardião" (termo vulgar, mas é verdade) da Constituição. A Constituição é imantada de poder constituinte originário e o poder emana do povo

Portanto, deve-se considerar o seguinte: seriam catastróficas as consequências concretas decorrentes de eventual declaração de inconstitucionalidade do Exame de Ordem.

Catastróficas ao jurisdicionado, ao próprio povo brasileiro.

Desse modo, em sendo exercido "juízo de ponderação" (também chamado "técnica de ponderação"), prevalece o entendimento que acredita ser perfeitamente constitucional o Exame da OAB. Não somente constitucional, mas necessário à própria estabilidade institucional do Judiciário. A advocacia é função essencial à Justiça e a justiça é definitiva, pela coisa julgada. "Alguém mal representado em juízo" em escala coletiva significaria mácula à própria caracterização constitucional da advocacia. 

Estado Democrático de Direito é um termo a ser destacado aqui, pois é extremamente importante: é um fim a ser perseguido. É um processo pelo qual cada "nação" estagia em diferentes níveis. Não é um "produto pronto". As instituições democráticas, em processo de consolidação há tantos séculos, devem ser preservadas. A dinâmica institucional do Estado brasileiro ficaria ameaçada se fosse liberado o exercício da advocacia para qualquer bacharel formado em Direito.
Por quê? Pois a realidade concreta do Brasil é alarmante - instituições de ensino superior (Direito) espalhadas em cada esquina, ausência de critérios seletivos satisfatórios, qualidade precária de ensino, indivíduos que se formam analfabetos funcionais e sem dominar institutos básicos do Direito, etc.

Repito e serei prolixo: Uma das funções de uma corte constitucional é ponderar princípios colidentes diante de um dado caso concreto, para que a ele seja dada a melhor solução - à luz da Constituição. Em sendo a Constituição imantada de poder constituinte originário, emanado e legitimado pelo povo, as circunstâncias fático-concretas devem ser consideradas para que uma Corte Constitucional se decida acerca de dada controvérsia. Tal decisão deve visar à estabilidade das instituições democráticas e à própria consolidação do Estado Democrático de Direito, que é um processo dinâmico, não entidade estática (Tamanaha). Instaurar-se-ia caos institucional se toda pessoa formada em Direito estivesse automaticamente habilitada a advogar. Mesmo com o Exame de Ordem, já se vê descaso no exercício da postulação. Em inexistindo qualquer filtro apto a provar condições mínimas ao exercício da advocacia, sua prática se tornaria inviável em nível prático e a própria estabilidade da Justiça ficaria ameaçada. Em estando a estabilidade da "práxis judiciária" ameaçada, o próprio Estado Democrático de Direito está ameaçado. Estado Democrático de Direito é uma construção, um processo; não um produto pronto, como já repeti algumas vezes, como mantra. É um fim e devemos persegui-lo, porquanto consubstancia ideais caros ao "homem como fim em si mesmo", tendo esse ideal se incorporado institucionalmente aos Estados Soberanos através de muita luta, no decurso dos séculos.

Portanto, não podemos fazer pouco caso com relação ao impacto concreto que eventual declaração de inconstitucionalidade do Exame da OAB geraria. Impacto concreto sobre o exercício da advocacia, que é função essencial à Justiça. Impacto, portanto, sobre a própria dinâmica da Justiça, dotada de definitividade e coercibilidade, legitimada pela Constituição, sendo a função jurisdicional uma das funções do Estado, cuja importância não deve ser menosprezada. Portanto, teses podem ser viáveis in abstrato, mas a atuação de uma Corte Constitucional deve ir muito além, vislumbrando, in concreto, qual a solução mais apropriada à luz da CF. Colisão de princípios e teses opostas, sempre haverá no Direito. Contudo, me parece claro, no caso do Exame da OAB, ser descabido o pedido de declaração de inconstitucionalidade feito pelo MP, haja vista as infelizes consequências concretas daí decorrentes.

Repito e vou ser prolixo: função jurisdicional é dotada de definitividade, que se opera pela "coisa julgada". Portanto, representar em juízo os interesses de alguém é algo gravoso, seja em nível patrimonial ou extrapatrimonial.

O tratamento dispensado ao exercício da advocacia deve ser, portanto, desigual, por ser função essencial à Justiça e em homenagem à própria dinâmica institucional do Judiciário, que exerce a jurisdição através do Estado-Juiz num Estado Democrático de Direito.


Por fim, reitero, mais uma vez sendo prolixo. Mas vale o risco:

- Uma Corte Constitucional, ao exercer juízo de cognição sobre determinada matéria, deve se pautar na análise das circunstâncias concretas, sendo estas o fator determinante para fins de fixação do princípio prevalente em hipótese de conflito de princípios constitucionais.

- Apesar da viabilidade técnica da tese adotada pelo MPF, no que se refere à discussão do "qualificar" x "atestar qualificação", o Exame é necessário à própria estabilidade institucional do Estado in concreto, notadamente a instabilidade do órgão de Poder Judiciário, haja vista ser a advocacia "função essencial à Justiça";

-  A questão envolve, portanto, uma colisão entre princípios constitucionais IN ABSTRATO. Em analisando as particularidades do caso concreto, a corte constitucional decide pela prevalência de um em detrimento do outro.

Questão controversa, pois há viabilidade técnica em ambos os posicionamentos. Creio, todavia, que o STF julgará improcedente a ADI e o Exame continuará a ser aplicado. Apóio totalmente, por todas as razões acima expostas, inspiradas, inclusive pelas manifestações em 'amici curiae' nessa demanda