domingo, 3 de outubro de 2010

Democracia sob uma perspectiva mais ampla

Há meses não escrevo no blog. Me deu vontade agora. Minha motivação foi a vitória de Tiririca, que candidatou-se a Deputado Federal e obteve percentagem altíssima de votos por todo território nacional, batendo a marca de 1 milhão de "confirma's". Nada contra palhaços, mas tal fenômeno é sinalizador da fragilidade do brasileiro ao consumar atos políticos.

Alguns formulam explicações simplistas que justificariam o fenômeno da vitória de Tirirca: "É a democracia e ponto; fazer o quê".

Seria a vitória de Tiririca exemplo de manifestação plena da Democracia? A vontade da maioria, por si só, traduz o conceito de democracia em todos os seus possíveis matizes?

"Democracia" é conceito dinâmico, variável no tempo e no espaço. Há Estados soberanos que se auto intitulam democráticos; sua realidade concreta, contudo, revela que a "democracia" é tão somente formal, não se efetivando no plano concreto.

 Não estou dizendo com isso que há o time das democracias verdadeiras e o time das democracias falsas. Nada disso. Quero dizer o seguinte: há estágios e gradações no fenômeno democrático. Democracia é um fim perseguido, não algo pronto. Um processo dinâmico, variável no tempo e mutável de acordo com a cultura, com o social, com a herança histórico: tudo se interpenetra, se influencia, se relaciona. O mesmo raciocínio se aplica ao que se chama "Estado Democrático de Direito", que deve ser considerado em gradações e estágios. Um jurista estadunidense chamado Brian Tamanaha discorre brilhantemente acerca dessas "gradações" em matéria de "Estado de Direito" e "Democracia".

Democracia, em acepção mais ligada ao senso comum, giraria em torno de algo como: expressão volitiva (de vontade) da maioria. Não que esteja errado. Mas, como dito, não é tão simples assim. Por ex.: e se a maioria decidir pela aniquilação de grupos étnicos, traduziria tal deliberação majoritária efetiva concretização do ideal democrático? E se a maioria clamar pela barbárie? - seria legítima a barbárie, por atingir números "majoritários"?

Pus essas questões para demonstrar que a análise do vocábulo "democracia" não pode levar em conta tão somente "números" ou "maioria",  pura e simples. A questão, modernamente encarada, perpassa a esfera meramente formal, entrando na análise do mérito das normas e de sua qualidade à luz da dignidade humana, supraprincípio que define o ser-humano como "fim em si mesmo", sendo tal premissa valor a ser perseguido nos Estados de Direito contemporâneos.

Portanto, se assim considerarmos, fica nítido que o ideal democrático não pode ser encarado sob perspectiva meramente quantitativa ou formal. Deve-se considerar, também, seu viés qualitativo, no que se refere à matéria versada na norma. Se seu conteúdo for afrontoso aos direitos fundamentais do homem, inviável sua adoção, mesmo que haja "concordância" da maioria.

O min. Celso de Mello já discorreu acerca da "função contramajoritária de uma Corte Constitucional na seada de direitos e garantias fundamentais". O que isso quer dizer? Mesmo que a maioria rechace, por ex., a união homoafetiva (matéria afeta a direitos fundamentais, ao livre desenvolvimento da personalidade e à própria dignidade humana), tal "discordância" da maioria não seria suficiente para impedir seu reconhecimento , na medida em que as nações contemporâneas que se regem pelo ideal do Estado Democrático de Direito devem atentar à efetiva concretização da idéia kantiana do ser humano como fim em si mesmo.

O povo brasileiro, apolítico que é, não estabelece critérios aceitáveis para deliberação e escolha de candidatos nas eleições. A fase de deliberação sequer existe na realidade de muitos de nós. Deliberação implica manejo de critérios minimamente objetivos para tomar uma escolha. Convenhamos, nós não deliberamos. Nós não pensamos criticamente ao consumar atos políticos. Isso é um traço cultural; não digo simplesmente por criticar. Somos nação nova cronologicamente. E somos promissores, apesar dos pesares. É meio cultural no Brasil a máxima "Política, futebol e religião não se discutem", de modo que é frase ouvida desde a mais tenra infância por muitos de nós. Somos seres culturais, socialmente determinados.

A maturação das instituições democráticas só se faz possível em meio no qual haja participação efetiva dos cidadãos; para tal, impõe-se como condição necessária o engajamento político. Tal engajamento é adquirido culturalmente. Portanto, necessária se faz a atuação positiva do Estado, notadamente na acessibilidade à educação, básica ou superior. Falar em "educação" parece clichê, carta coringa. Mas é a única saída possível. Claro que educar a população, sobretudo a mais carente, não interessa a alguns. Nem vou me estender mais.

sábado, 27 de março de 2010

Maldizer o futuro, idealizar supostas "eras de ouro": isso corresponde à realidade objetiva?

Madrugada de uma sexta-feira. Tentarei ser sucinto.

Todos já ouviram as máximas: "O futuro é sombrio, não sei o que nos espera."

"O mundo está virando um caos."

"As relações intersubjetivas ficam cada vez mais desgastadas."

"O ser humano fica cada dia pior"

etc.




Acho isso absolutamente nonsense e prescrevo 2,5 L de Simancol diário p quem profere tais sandices - a meu ver, claro.

Vou ilustrar o porquê de minha discordância com exemplos: até pouco tempo, a mulher era subjugada, tratada institucionalmente com como extensão do homem; o próprio matrimônio a convertia em "relativamente incapaz" civilmente - até algumas poucas décadas atrás. Os negros, a seu turno, sequer precisam ser citados. No mesmo sentido: não havia consciência ambiental até passado não muito distante. Ainda: a legislação trabalhista era desumana em passado histórico não tão distante. Mais: No Brasil da década de 40 era possível absolvição ao estuprador caso a vítima consolidasse matrimônio.

Isso tudo em nível institucional. Que dirá social! O Direito traduz o mundo do "dever-ser", que é bastante diferente do mundo real, considerado tal qual é faticamente.

A grande maioria das barbaridades ocorridas nas últimas décadas não era noticiada tão amplamente como hodiernamente.

Atualmente, caso ocorra um acidente de trem ou uma briga entre torcidas organizadas na periferia do interior da Bulgária, logo o mundo inteiro fica sabendo.

Alguns ingênuos veem isso como o anúncio da ruína da raça humana, etc. Nada disso. Se antes ocorriam 1000 barbaridades, 2 eram noticiadas. Hoje, caso ocorram 200 barbaridades, 150 são noticiadas. Essa hiperexposição causa em alguns a sensação de que o mundo piora, regride. Trata-se de ilusão, até porque, conforme ilustrado anteriormente, os progressos institucionais alcançados nas últimas décadas são incontestes.